O nome de registro da moça é Panmela. O nome de artista, feminista e dona de seu nariz é Anarkia. Não sei porque, li “Anárkia”, assim, com a sílaba tônica antecipada. Sinto mais ritmo nesta pronúncia. Nada eu sabia da arte de Panmela nem da ONG que dirige – “Rede Nami”, mina ao contrário, na linguagem de grafiteiras e grafiteiros. A instituição tem por objetivo divulgar os direitos das mulheres, com ênfase na luta contra a violência de que Panmela foi vítima aos vinte anos de idade. Hoje, com trinta e um, ela já tem seu trabalho reconhecido internacionalmente. Seus painéis em grafite estão espalhados pela cidade do Rio de Janeiro, como informa O Globo de 10/03/13. Recentemente, Panmela mudou-se da Penha, bairro onde nasceu, para o Rio Comprido para ficar mais perto do centro da cidade e por lá continuar pintando suas personagens, como a “Liberté”, uma mulher que está sempre acompanhada de um águia, símbolo da liberdade. “Percebi que podia me expressar pelo grafite. Foi aí que virei uma feminista e percebi coisas que jamais veria”, declara Anarkia ao citado jornal.
É pela arte com
o grafite e não pelo discurso que Panmela toca a consciência das mulheres nas
comunidades onde atua. Isto me faz pensar nas manifestações feministas dos anos
80. Nossa linguagem era predominantemente a do discurso. Mas nele não ficou aprisionada. Com o spray usado pelas grafiteiras, feministas picharam os muros da cidade com os slogans mais
significativos do movimento - “nosso
corpo nos pertence”, “quem ama não mata”. Assim, foi lançada a campanha contra
a violência doméstica a partir da onda de assassinatos de mulheres, sendo então emblemático
o caso de Angela Diniz.
A bem da
verdade, a abordagem do tema da violência contra as mulheres ganhou curso
depois da ruptura da hegemonia do Centro da Mulher Brasileira-CMB criado em
1975. Muitas de nós que chegamos ao movimento a partir da experiência de militância
em partidos de esquerda tivemos dificuldades em acolher de pronto as propostas das
feministas autônomas. No limiar dos anos 80, estas se retiraram do CMB e formaram
o Coletivo de Mulheres que passou a conduzir a ação contra a violência
doméstica. A essa altura, eu já compreendia mais a fundo a questão feminista. Foi
quando desconsiderei o conselho de um companheiro do Partido – “afaste-se das feministas. Isto é coisa feita
para dividir a esquerda e enfraquecer a luta geral, a luta de classes”. O fato
é que acabei me afastando da organização partidária. Juntamente com outras
advogadas feministas passei a participar do “S.O.S. Violência”, dando respaldo
jurídico ao atendimento feito às vítimas da violência pelas feministas nos plantões do S.O.S. Mulher. Foi um caminho sem volta.
Assim, até 1994, mantive-me diretamente envolvida nas vivências feministas, ainda que minha ação se exercesse principalmente
na seara jurídica. Até então, o feminismo era naturalmente um movimento direcionado para as praças,
para as ruas – o mesmo palco que hoje acolhe arte silenciosa e revolucionária
de Anarkia e suas companheiras grafiteiras. Hoje, como observadora, mantenho-me atenta à trajetória da condição
feminina. Ao meu modo, tento contribuir para a causa com minha escrita e assim sigo moldando a construção
de minha consciência feminista. Fiquei muito feliz com a descoberta do trabalho
de Anarkia. Faço minhas as palavras dela, ao fim da entrevista em O Globo: “
As piores coisas do mundo foram feitas em nome de verdades absolutas. Quero só mostrar
que há escolhas. Várias escolhas a fazer.”