A aprovação da PEC das domésticas desperta a discussão sobre a realidade
das mulheres brasileiras, sobretudo o grande contingente da classe média que diariamente
depende das empregadas domésticas para assumir responsabilidades profissionais.
O governo federal faz empenho em ratificar a Convenção 189 da OIT sobre o trabalho
doméstico. Parabéns. Mas por que até hoje não se ocupou da Convenção 156 da OIT,
que trata da igualdade de oportunidades e de tratamento para trabalhadores e trabalhadoras, visando conciliar
a vida profissional com as responsabilidades familiares?
A discussão sobre o emprego doméstico, hoje acalorada pela
entrada em vigor da nova regra da igualdade, é, na verdade, parte de um balaio de
temas complexos. Neste balaio incluo o velho tema feminista da divisão desigual
do trabalho doméstico no seio da família. Pense-se no quanto é esquisito o
hábito de, em regra, tocar à mulher o encargo de selecionar, tratar e assinar a CTPS da
empregada doméstica? Eis uma história que já começa mal: a figura masculina do lar fica de plano dispensada de todo
e qualquer envolvimento com os temas da cozinha e da área de serviço. Exagero de
meu olhar feminista? Talvez.
O fato é que o novo patamar
jurídico das domésticas tende a desmontar costumes seculares – o nosso jeitinho
brasileiro de levar e contornar os problemas do lar com o auxílio da chamada “secretária”.
Não adianta mais escapar pelo atalho da amizade entre patroas e
empregadas – relação que, não raro,
acaba em lágrimas na Justiça do Trabalho. A pior patroa é a que oferece mimos em
troca dos direitos trabalhistas. O tempo de tais desmandos travestidos de generosidade
acabou. Todo profissionalismo agora é pouco.
Alguns temas já deviam estar sendo debatidos em concomitância com a
aprovação da PEC das domésticas. Por exemplo, a necessidade de redução da
jornada de trabalho, de modo a que trabalhadoras e trabalhadores, inclusive
domésticos, possam dedicar mais tempo à convivência familiar. Outro ponto
relevante é o descompasso entre a jornada de trabalho de mães e pais e a
jornada escolar dos filhos. A precariedade dos meios de transporte que alonga o tempo de afastamento de pais e mães do lar, a ausência de creches públicas e demais mecanismos de apoio às
famílias são outros temas que passam a exigir maior atenção da parte de quem
tem o poder de implementá-los e de quem os deve exigir.
Por outro lado, é fundamental entender e debater as especificidades do
emprego doméstico, pois a nova regra da igualdade não transforma casas de
família em empresas. Particularmente no que toca às babás e cuidadoras de idosos,
há questões mais sutis envolvidas na contratação e na prestação do trabalho, exigindo-se pactos mais bem pensados e detalhados.
O contrato de emprego doméstico deve ser anotado na carteira de trabalho,
como manda a lei desde 1972. Mas os acertos quanto às especificidades da prestação do trabalho – jornada de trabalho e demais condições - agora devem ser fixados em contrato por escrito. Mas o contrato não pode contrariar
a lei. É, pois, necessário que empregadores e
empregadoras saibam bem como proceder, até para tentar evitar futuros problemas
na Justiça do Trabalho.
A equiparação dos direitos torna a relação de emprego das domésticas
mais onerosa, sobretudo se resulta em conflito judicial. Não se trata de ter que
criar um departamento pessoal no lar. Mas necessário será observar os mesmos
cuidados mantidos pelas empresas quanto à contratação e fixação das condições de trabalho, quanto à supervisão da execução do trabalho, quanto à dispensa, tudo de acordo com os termos do contrato e na forma da lei.
Assim, sem que a lista abaixo se
exaura, os seguintes movimentos passam a ser importantes:
1) É chegado o tempo de rever antigos hábitos de informalidade. Os novos direitos elevam os
custos rescisórios, com maior sobrecarga financeira em
caso de sentença condenatória da Justiça do Trabalho.
2) A cordialidade recíproca deve ser cultivada de parte
a parte, mas sem prejuízo do profissionalismo
que deve pautar a relação de trabalho doméstico, hoje sob a égide da igualdade.
3) É necessário formalizar contratos de trabalho por escrito para fixar as condições de execução, jornada, remuneração, etc, moldando-se,
assim, a nova regra da igualdade às especificidades de cada caso. Maior atenção quanto aos contratos de babás e
cuidadoras de idosos, sobretudo no que diz respeito à jornada que passa a ser
limitada a 44 horas semanais.
4) Em caso de não ser possível arcar com os custos da contratação de
empregada ou mesmo de diarista (sem vínculo de emprego), deve ser estabelecido
um novo pacto de divisão de trabalho entre os familiares, de modo que as
mulheres não saiam ainda mais prejudicadas pela sobrecarga da dupla jornada de
trabalho. É tempo de acabar com a mania de limpeza.
5) Cumpre exigir do Poder Público e das Casas Legislativas a implementação de medidas
de apoio às famílias, de modo que o exercício
profissional passe a ser garantido sem prejuízo das responsabilidades familiares.
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