Professora Nubia
Hanciau
Aposentadado Programa de Pós Graduação
em Letras
Universidade Federal do Rio
Grande - FURG
As mulheres sofreram através da
história permanente situação de inferioridade calcada pelos homens. Mas sempre é
tempo de reagir com grandeza, não como se fez na década de setenta nos Estados
Unidos, comandando de forma um tanto quanto grotesca, mas talvez necessária, a queima
de sutiãs. É hora ainda de reagir de maneira séria, como sugere o jornalista
Marcos de Castro (O Globo), exigindo,
por exemplo, que os cargos importantes, aqueles cuja ocupação requer um
comportamento digno – que o Governo do Distrito Federal não seja luz a iluminar
esse caminho – tenham tratamento através do bom e velho gênero feminino.
Mesmo assim, é preciso lembrar que o emprego do
feminino tem sido matéria para refletir notadamente depois de termos uma
primeira Presidenta mulher, e do seu compromisso de honrar a mulher brasileira
criando igualdade de oportunidades entre o homem e a mulher, segundo ela,
princípio essencial da democracia. “Sim, a mulher pode [...]. Eu cheguei à
presidência porque uma porção de mulheres saíram de suas casas e foram
trabalhar [...]. Esse conjunto de mulheres começou e cada vez mais passou a
construir o Brasil de forma mais clara e mais brasileira. Por isso concordo em
ser Presidenta” (Dilma Roussef, Programa
Ana Maria Braga, 2 de março 2011).
Na Câmara, temos deputados e deputadas. No Senado
Federal, senadores e senadoras. Mas, se a dignidade do cargo é extrema, como no
caso de presidente da República, deixamos de ter presidente ou presidenta, o
gênero de acordo com o sexo. Ficamos apenas com o masculino. A mensagem é
clara, o sexo feminino não merece consideração que o leve a igualar-se ao masculino
numa posição suprema: aí, então, o tratamento não pode mais ser feminino, tem
de ser "a presidente", ainda que tal concordância quase nos quebre a
língua e a “presidente" seja forma tão rebarbativa que chega a doer no
ouvido. Tanto quanto o adjetivo qualificativo masculino “inocenta”!
Além do mais, é preciso lembrar aos desavisados que acreditam
que o substantivo presidente não tem feminino. Não só tem, sim, como está em
todos os dicionários, e também no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa,
publicação da Academia Brasileira que funciona como repositório oficial das
palavras da língua. E lá aparece como verbete independente, como também no
Houaiss e no Aurélio.
A feminização dos títulos de função pública
tem origem nesse fenômeno social apontado por Roussef: a ascensão maciça das
mulheres ao mercado de trabalho. Sua integração em atividades das quais elas estiveram
excluídas provocou a evolução lexical e gramatical da língua. Se a feminização
responde a uma dupla necessidade – a primeira de ordem lingüística, a segunda
de ordem social –, a constatação de que a mulher está ausente na língua se
impõe: por toda parte, o masculino vem na frente, apagando a presença do
feminino.
Segundo uma nova geração de mulheres, o
imaginário deve ser reinventado por elas, menos para restabelecer a ordem das
coisas do que para constituir um mundo próprio, que promova uma espécie de
sindicato em defesa e valorização da identidade feminina. Louise Larivière,
professora das Universidades de Montreal e Concórdia no Canadá, defende a razão
de ser da feminização e analisa as causas que criam obstáculo, quer à
visibilidade das mulheres, quer à igualdade entre elas e os homens. Faz isso
descrevendo a oposição às formas marcadas, muitas vezes, pela ignorância, pela
idiotia ou má-fé. Sua tese é simples e direta: coerente no plano lingüístico,
no plano social a feminização “testemunha a respeito do lugar que agora a
mulher ocupa em todas as esferas da vida moderna”. Feminizar é, então, ir
contra o sexismo na língua e na sociedade.
São conhecidos os argumentos dos
adversários dessa tese. Em primeiro lugar, defendem a neutralidade dos termos
genéricos, por exemplo, “o homem” (“O homem é um mamífero, ele amamenta seus
filhotes”). Fonte de ambigüidade, esse método acarreta incongruências como
essa, difíceis de tolerar quando faz um dos papéis específicos desempenhar o
papel de genérico, quase sempre o masculino. Se as palavras não designam apenas
as funções, mas as pessoas que as exercem, elas deveriam logicamente trazer a
marca do gênero que corresponde ao sexo dessas pessoas.
É preciso terminar com o desprezo pelo
gênero feminino, conservado pelos dinossauros das academias e seus seguidores. Somente
a feminização pode corrigir as derrapagens, as aberrações linguísticas. A
língua deve ser viva, deve permitir exprimir a evolução da sociedade. Será
aceitável que os nomes das profissões que existem nos dois gêneros tenham,
ainda, valor diferente se empregados no masculino ou no feminino? Por que
cozinheiro designa um chef de cuisine e cozinheira, uma executante?
Costureiro, um criador de moda, e costureira, uma executante? A secretária,
uma subordinada, o secretário, um dirigente? Isso se deve a um machismo
linguístico e social, principalmente se considerarmos que a língua não é objeto
estético nem patriótico, mas linguístico, que deve servir, entre outros
objetivos, à justiça social.
A escritora feminista francesa Benoîte
Groult sublinha que o genérico “homens” pode englobar os homens e as mulheres
ou um determinado grupo de homens. Mas em hipótese alguma pode referir um grupo
composto exclusivamente por mulheres. Por outro lado, às mutilações sexuais
femininas infligidas a milhões de mulheres e meninas – que vão de encontro aos
direitos os mais elementares –, não cabe a expressão “direitos do homem”, mas
sim “direitos da pessoa”, bem mais adequada!