segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Presidenta... por que empregar o feminino




Professora Nubia Hanciau
Aposentadado Programa de Pós Graduação em Letras
Universidade Federal do Rio Grande - FURG


            As mulheres sofreram através da história permanente situação de inferioridade calcada pelos homens. Mas sempre é tempo de reagir com grandeza, não como se fez na década de setenta nos Estados Unidos, comandando de forma um tanto quanto grotesca, mas talvez necessária, a queima de sutiãs. É hora ainda de reagir de maneira séria, como sugere o jornalista Marcos de Castro (O Globo), exigindo, por exemplo, que os cargos importantes, aqueles cuja ocupação requer um comportamento digno – que o Governo do Distrito Federal não seja luz a iluminar esse caminho – tenham tratamento através do bom e velho gênero feminino.
Mesmo assim, é preciso lembrar que o emprego do feminino tem sido matéria para refletir notadamente depois de termos uma primeira Presidenta mulher, e do seu compromisso de honrar a mulher brasileira criando igualdade de oportunidades entre o homem e a mulher, segundo ela, princípio essencial da democracia. “Sim, a mulher pode [...]. Eu cheguei à presidência porque uma porção de mulheres saíram de suas casas e foram trabalhar [...]. Esse conjunto de mulheres começou e cada vez mais passou a construir o Brasil de forma mais clara e mais brasileira. Por isso concordo em ser Presidenta” (Dilma Roussef, Programa Ana Maria Braga, 2 de março 2011).
Na Câmara, temos deputados e deputadas. No Senado Federal, senadores e senadoras. Mas, se a dignidade do cargo é extrema, como no caso de presidente da República, deixamos de ter presidente ou presidenta, o gênero de acordo com o sexo. Ficamos apenas com o masculino. A mensagem é clara, o sexo feminino não merece consideração que o leve a igualar-se ao masculino numa posição suprema: aí, então, o tratamento não pode mais ser feminino, tem de ser "a presidente", ainda que tal concordância quase nos quebre a língua e a “presidente" seja forma tão rebarbativa que chega a doer no ouvido. Tanto quanto o adjetivo qualificativo masculino “inocenta”!
Além do mais, é preciso lembrar aos desavisados que acreditam que o substantivo presidente não tem feminino. Não só tem, sim, como está em todos os dicionários, e também no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, publicação da Academia Brasileira que funciona como repositório oficial das palavras da língua. E lá aparece como verbete independente, como também no Houaiss e no Aurélio.
        A feminização dos títulos de função pública tem origem nesse fenômeno social apontado por Roussef: a ascensão maciça das mulheres ao mercado de trabalho. Sua integração em atividades das quais elas estiveram excluí­das provocou a evolução lexical e gramatical da língua. Se a feminização responde a uma dupla necessidade – a primei­ra de ordem lingüística, a segunda de ordem social –, a constatação de que a mulher está ausente na língua se impõe: por toda parte, o masculino vem na frente, apagando a presença do feminino.
        Segun­do uma nova geração de mulheres, o imaginário deve ser reinventado por elas, menos para restabelecer a ordem das coisas do que para constituir um mundo próprio, que promova uma espécie de sindicato em defesa e valorização da identidade feminina. Louise Larivière, professora das Universidades de Montreal e Concórdia no Canadá, defende a razão de ser da feminização e analisa as causas que criam obstáculo, quer à visibilidade das mulheres, quer à igualdade entre elas e os homens. Faz isso des­crevendo a oposição às formas marcadas, muitas vezes, pela ignorância, pela idiotia ou má-fé. Sua tese é simples e direta: coerente no plano lingüístico, no plano social a feminização “testemunha a respei­to do lugar que agora a mulher ocupa em todas as esferas da vida mo­derna”. Feminizar é, então, ir contra o sexismo na língua e na sociedade.
        São conhecidos os argumentos dos adversários dessa tese. Em primeiro lugar, defendem a neutralidade dos termos genéricos, por exemplo, “o homem” (“O homem é um mamífe­ro, ele amamenta seus filhotes”). Fonte de ambigüidade, esse méto­do acarreta incongruências como essa, difíceis de tolerar quando faz um dos papéis específicos desempenhar o papel de genérico, quase sempre o masculino. Se as palavras não designam apenas as funções, mas as pessoas que as exercem, elas deveriam logicamente trazer a marca do gênero que corresponde ao sexo dessas pes­soas.
        É preciso terminar com o desprezo pelo gênero feminino, conservado pelos dinossauros das academias e seus seguidores. Somente a feminização pode corrigir as derrapagens, as aberra­ções linguísticas. A língua deve ser viva, deve permitir exprimir a evolução da sociedade. Será aceitável que os nomes das profissões que existem nos dois gêneros tenham, ainda, valor diferente se empre­gados no masculino ou no femini­no? Por que cozinheiro designa um chef de cuisine e cozinheira, uma executante? Costureiro, um criador de moda, e costureira, uma execu­tante? A secretária, uma subordi­nada, o secretário, um dirigente? Isso se deve a um machismo linguístico e social, principalmente se considerarmos que a língua não é objeto estético nem patrióti­co, mas linguístico, que deve ser­vir, entre outros objetivos, à justiça social.
        A escritora femi­nista francesa Benoîte Groult subli­nha que o genérico “homens” pode englobar os homens e as mulhe­res ou um determinado grupo de homens. Mas em hipótese alguma pode referir um grupo composto ex­clusivamente por mulheres. Por outro lado, às mutilações sexuais femininas infligidas a milhões de mulheres e meninas – que vão de encontro aos direitos os mais elementares –, não cabe a ex­pressão “direitos do homem”, mas sim “direitos da pessoa”, bem mais adequada!

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

... para não desistir...


Depois de três anos off, volto a ativar este blog. 

Se me pergunto porque parei, não obtenho resposta convincente. 

Parei por preguiça? Parei por descrença? Parei por achar que o patriarcado será eterno e toda consciência feminista coletiva não será suficiente para reverter tal ordem tão bem estruturada ao longo da História?

Para não desistir deste ímpeto de retomada, melhor seguir outra linha de indagação: que tal voltar a escrever em meu blog?

Volto porque sou feita de questionamentos que me tiram o sono nas altas madrugadas. Às vezes, de manhã, já não lembro mais de nada. Às vezes o texto vai para o meu "Notas" no aparelho celular e até o transformo em matéria editável. 

Noutro dia, em curiosa sequência de fatos, minha juventude se fez presente. 
De manhã, caminhando pela Bartolomeu Mitre em direção à praia, tive a sensação de que o tempo não conta. Sentia-me leve e despojada nas Havaianas.
De noite, fui ao lançamento do livro de Samantha Gilbert - “Caminho Solo” - em que fala de sua coragem ao fazer o Caminho de São Thiago de Compostela.

“Para Comba, lembrança boa de uma moça loira, sabida e inteligente”.

A moça idealizada por Samanta traz à lembrança meu ativismo feminista.

Para não ficar só na lembrança dos tempos de descobertas e esperanças, retomo meu espaço de reflexão. E me junto ao coro feminino pela afirmação da História das Mulheres e pelo pleito tão simples de respeito à nossa liberdade de ser como somos: diferentes mas não desiguais.