Dados estatísticos recentemente divulgados sobre o mercado de trabalho
doméstico indicam uma queda acentuada da oferta de trabalho e a consequente
elevação dos salários. Outro fato que poderá alterar o cenário deste mercado
será a justa aprovação da emenda constitucional que põe fim à desigualdade de
direitos trabalhistas fixada na Carta de 1988. Tais ocorrências passam a exigir da sociedade, das empresas,
governos e legisladores um olhar mais atento para inúmeras questões correlatas,
sobretudo o drama vivido pelas mulheres para conciliar o desempenho profissional
com as responsabilidades familiares.
A comemoração do Dia Internacional da Mulher – 2013 é oportuna no
sentido de sugerir mais aprofundada reflexão sobre as condições atuais de vida
das mulheres brasileiras. Empregadas ou patroas estão de certa forma niveladas por
angústias comuns resultantes dos focos de invencibilidade do machismo. A
violência doméstica, por exemplo, não recua e atinge a todas as mulheres,
independentemente de condição social.
A nova realidade do mercado de trabalho doméstico nos leva de volta aos
anos 1970, quando iniciado o ativismo feminista. Em plena ditadura militar,
ousamos levantar bandeiras empunhadas por feministas do chamado “primeiro mundo”.
Questões até então impensáveis até mesmo nos círculos das esquerdas brasileiras
passaram a ser nossas “palavras de ordem”, a despeito do estranhamento que causávamos
numa sociedade ainda presa aos valores conservadores e à educação das mulheres
para a submissão.
Assumimos a denúncia da dupla jornada de trabalho. Arriscamos nossa
própria integridade física para levar a público os casos de violência doméstica.
Criamos no Rio de Janeiro o projeto das Delegacias Especializadas no Atendimento
à Mulher. Lançamos o lema “nosso corpo nos pertence”. Passamos em revista a legislação,
apontando a necessidade de revisão das normas discriminatórias. Atuamos na
Assembleia Constituinte com parcial êxito. Conduzimos a luta pela
descriminalização do aborto.
Em verdade, propúnhamos uma ampla reeducação da sociedade, visando
eliminar a cultura machista. Pleiteávamos políticas públicas de igualdade de
tratamento nas relações de família, nas empresas, de modo que a mulher passasse
a ser destinatária de plena cidadania. Cogitávamos de uma nova sociedade em que
os homens viessem a descer do confortável patamar dos privilégios para compartilhar
as responsabilidades na esfera doméstica. Na verdade, queríamos apagar da
lembrança lemas repetidos por retrógrados maridos: - mulher, você não está
educando bem a sua filha. Por que diabos aqueles pais não se atribuíam
responsabilidades por suas filhas, empurrando para as mulheres obrigações, ao
mesmo tempo, de serviçais e de educadoras?
Não havia dúvida de que a nova cultura com que sonhávamos, poderia resultar
na redução ou na extinção, a longo prazo, do trabalho doméstico remunerado,
sobretudo pela evasão das trabalhadoras para outros setores mais promissores do
mercado. É o que ora se sinaliza, sem que a democracia inaugurada nos anos 80 tenha
incorporado os novos valores propostos pelo movimento feminista. Passam-se os
anos e os pilares do machismo continuam intocáveis. Vivendo em família, os
homens, mesmo os mais jovens, ainda não arregaçam as mangas para se meter na
cozinha e na ária de serviço. Todo o sistema de suporte doméstico das famílias ainda
se apoia direta ou indiretamente nas mulheres.
Se passa a ser difícil contratar a empregada doméstica, já que os custos se elevam pela baixa oferta de mão de
obra, as mulheres é que serão ainda mais penalizadas ao ter que se ocupar das
tarefas do lar, duplicando a sua carga de trabalho na solidão da área de
serviço. Estatísticas indicam que entre mulheres e homens profissionalmente
ocupados, o tempo semanal consumido com os encargos domésticos é diverso –
evidentemente o das mulheres é muito maior.
O fato é que a originária pauta do movimento feminista permanece atual. Sem
demérito de outros pontos igualmente importantes, é preciso insistir na mudança
de atitude dos homens em relação às mulheres e à família; urge postular a
redução da jornada de trabalho para homens e mulheres; é hora de exigir dos
governos medidas que garantam o pleno acesso às creches e escolas públicas de
boa qualidade em tempo integral; impõe-se, igualmente, a reformulação do sistema
de transportes, pois, hoje, além da jornada laboral, perde-se longo tempo no ir
e vir do trabalho.
Nos anos 60, a escritora feminista Carmen da Silva descreveu
magistralmente as crueldades do sistema machista. Pois, chegamos ao século
XXI e os diagnósticos de Carmen, infelizmente, permanecem atualizados. Bastaria
reeditar “A Arte de Ser Mulher” que teríamos um bom retrato de nossa realidade.
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