quinta-feira, 29 de março de 2012

O difícil caminho da igualdade salarial entre homens e mulheres


Tramita no Congresso o Projeto de Lei nº 6.393/2009, de iniciativa do Deputado Federal Marçal Filho (PMDB/MS) que acrescenta parágrafo ao artigo 401, da CLT, para estabelecer “multa” a ser paga pelo empregador à trabalhadora, caso considere o “sexo, a idade, a cor ou situação familiar” como fator de fixação de salário inferior ao dos empregados.
O PL padece de imprecisões, além de não estabelecer os critérios pelos quais se possa apurar e enquadrar determinada situação de pagamento inferior de salário à mulher na variável tipificada como conduta discriminatória patronal (inciso III, do artigo 373-A, da CLT) que dá origem à multa proposta.
Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado: (grifei)
III – considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional;
Se a intenção do legislador é conferir uma reparação à trabalhadora pela quebra da isonomia salarial por motivo de discriminação em razão de sexo, idade, cor ou situação familiar, a regra deveria ser acrescentada ao artigo 373-A, da CLT, acima transcrito, e não ao artigo 401, pois este trata da penalidade administrativa a ser aplicada pela infração de qualquer dispositivo integrante do Capítulo III da CLT, concernente às normas de proteção ao trabalho da mulher. Multas administrativas são aquelas aplicadas e cobradas às empresas pelas Delegacias Regionais do Trabalho em favor do Estado. Eis a confusão em que incorre a iniciativa parlamentar, ao propor a inserção do dispositivo no artigo 401.
Mas o principal equívoco do mencionado projeto de lei não é de ordem da técnica legislativa - reside no fato de que não estabelece critérios por meio dos quais se possa avaliar determinada situação de desigualdade, para enquadrá-la ou não na hipótese prevista no inciso III, do artigo 373-A, da CLT. Tal como redigida e caso aprovada, a norma poderá dificultar a apreciação dos pedidos que venham a chegar à Justiça do Trabalho, bem como estimular demandas trabalhistas voltadas para se obter a vantagem pecuniária estabelecida, mesmo nos casos em que a diferença salarial não decorra de ato de discriminação praticado pelo empregador.
Inegavelmente, dados estatísticos indicam que as mulheres ganham salários inferiores aos dos homens. Entretanto, não se pode afirmar que toda diferença salarial resulte sempre de condutas discriminatórias praticadas pelo empregador. Existem no mercado de trabalho outras tantas variáveis determinantes que explicam as diferenças à menor quanto aos salários pagos às trabalhadoras.
Isto não equivale a negar como causa da desigualdade salarial o preconceito ainda vivo que define o lar como “o lugar” da mulher, dificultando-se, assim, o seu percurso e crescimento na atividade profissional. Quantas não são as mulheres que, mesmo graduadas e profissionalmente aptas, preferem exerceu funções menos compromissadas, elegendo a vida doméstica como sua prioridade de vida? Há uma evidente cultura de desigualdade familiar a dar origem ao recuo por parte das próprias mulheres quanto a abraçar uma carreira e exercer maiores responsabilidades profissionais. A professora Maria Alice Resende de Carvalho, em recente conversa que tivemos, observou com muita propriedade que, no caso das mulheres, há uma diferença entre trabalhar fora e “fazer carreira”. É verdade. São obstáculos de ordem subjetiva alimentados pelas dificuldades objetivas encontradas pelas mulheres quanto à perspectiva de traçar para si um projeto de crescimento profissional.
Há, por outro lado, uma cultura empresarial de feitio masculino nas quais nem todas as mulheres se enquadram e nem devem se enquadrar! Por exemplo, o ritmo frenético de trabalho, hoje considerado como parâmetro de produtividade e excelência no desempenho profissional. Refiro-me a um estilo de vida empresarial nocivo a todos que não deixa de ser instrumentalizado pelos homens para marcar seu lugar no mercado e desencorajar as mulheres a seguir carreira, aprofundando-se em foro íntimo o dilema que coloca em pontos opostos a vida privada e a vida profissional, algo que raramente acontece com os homens.
Diante da seriedade com que devem ser tratados os temas relacionados aos direitos trabalhistas das mulheres, penso que as proposições de incentivo são mais eficazes do que as penalidades pecuniárias, tais como a prevista no PL aqui comentado. Exemplo disto é a lei que cria Programa Empresa Cidadã, estabelecendo dedução fiscal condicionada à prorrogação da licença-maternidade por mais 60 dias, além dos 120 previstos na CF/88. Fique claro que esta prorrogação não tem natureza de um direito trabalhista - trata-se de um benefício fiscal em favor do empregador. Mas, a medida não deixa de ser positiva, em razão da dificuldade política de se aprovar a ampliação da licença-maternidade como um direito das trabalhadoras. Outras ações pró-equidade de gênero e de fortalecimento da cultura de igualdade no mercado de trabalho seriam bem-vindas e poderiam ser fixadas em lei, para mudar a mentalidade empresarial. A Convenção nº 156, da Organização Internacional do Trabalho, OIT, já aponta o caminho da nova cultura de compartilhamento das responsabilidades profissionais e familiares. Pena é que o Brasil ainda não a tenha ratificado. 
No propósito de fomentar ações positivas, em 2010, a Secretaria de Política das Mulheres tomou a iniciativa de levar ao Congresso proposta de lei que estabelece normas de suporte à prática da igualdade, visando, em resumo: coibir discriminações; garantir o equilíbrio entre as responsabilidades familiares e profissionais de trabalhadoras e trabalhadores; prevenir e coibir os assédios no âmbito da empresa; criar as Comissões Internas de Promoção da Igualdade - CIPI, inspiradas nas Comissões Internas de Prevenção de Acidentes – CIPA. Não há notícias de que tais proposições tenham sido integralmente encampadas e de que venham a ser aprovadas pelo Congresso. 
É fato que o crescimento profissional de homens e mulheres não ocorre no mesmo compasso. E isto se reflete no valor do salário. Mas nem toda diferença salarial entre homens e mulheres, ou mesmo entre mulheres, será resultante de conduta patronal discriminatória. Para punir o empregador com sanção pecuniária é preciso apurar e tipificar as causas da diferença, o que somente pode ser feito de modo justo através de critérios objetivos a serem estipulados em lei e isto não foi contemplado na redação do referido projeto de lei. Assim fez o legislador com a CLT, em 1943. Estabeleceu requisitos para a equiparação salarial prevista no art. 461, definindo o que seja “trabalho de igual valor”: “o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço não for superior a dois anos.” De tal modo, a equiparação pode ser postulada na Justiça do Trabalho, mas só será deferida se caracterizado o “trabalho de igual valor”, de acordo com os parâmetros legais.
 Mais importante que a fixação de multa de duvidosa eficácia é garantir a igualdade de tratamento, ou seja, garantir que mulheres e homens tenham mesmas chances de acesso e permanência no mercado de trabalho, de treinamento, de qualificação e ascensão profissional. Isto não se alcança com a aplicação de penalidades. É necessário criar medidas que permitam fortalecer a cultura da igualdade, infundir o sentido de compartilhamento das responsabilidades familiares e profissionais entre homens e mulheres, bem como para impedir e desmascarar os sutis mecanismos às vezes utilizados pelos empregadores no sentido de facilitar o crescimento profissional dos homens e barrar o das mulheres. Sem dúvida, há um espaço vazio a ser ocupado por uma lei que venha cuidar da efetividade das garantias da igualdade já asseguradas na ordem vigente, como as que já existem, por exemplo, na Espanha, no Uruguai, no Peru, em Costa Rica.
  Por fim, é bom lembrar que as trabalhadoras podem recorrer à Justiça do Trabalho com pedido de rescisão indireta do contrato (a justa causa do patrão) em caso de violação da Constituição e do art. 373-A, da CLT, bem como, postular indenização por danos decorrentes da violação aos princípios e normas que garantem a igualdade no mercado do trabalho. 
Rio, março de 2012

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